O Ogã, os Atabaques e a Curimba

O Ogã, “Senhor da minha casa” em Yorubá, ocupa um cargo de magnífica beleza, importância e responsabilidade dentro dos terreiros. São sacerdotes específicos do toque e canto, consagrados e abençoados pela espiritualidade com uma mediunidade diferenciada, embasada na intuição refletida no equilibro e harmonia entre o toque e o tom, no momento mais oportuno. Mistura perfeita que nos proporciona diferentes sensações.

Justamente por possuírem a capacidade, que acima foi citada, e pela ausência de uma mediunidade de incorporação, são eles que dão sequência e suporte ao trabalho espiritual que está sendo exercido, no plano material, por isso, dizemos que são pessoas de extrema confiança do guia-chefe e do sacerdote do Templo em que se está.

Se pararmos para pensar, durante as giras ouvimos inúmeros pontos, cada um com um toque diferente e todos com um único objetivo: ativar correntes energéticas e vibratórias, movimentando, equilibrando ou mantendo a força vibratória e o padrão energético dos trabalhos, saudando e agradecendo.

Essas vibrações, aquelas que chamamos de arrepio e conhecemos como coração acelerado, têm o poder de adormecer nosso emocional e estimular a sensibilidade, fazendo com que, mesmo que não percebamos, tenhamos nossa incorporação facilitada.

Tem uma passagem no livro “Médium Incorporação não é Possessão” da qual gosto muito e acredito que se encaixe perfeitamente ao assunto. Vamos a ela:

“A música e mais especificamente o ponto cantado e tocado de forma harmoniosa, com amor, energia e direcionamento para cada situação, funciona como uma magia do som. Esse encanto, como o canto de uma sereia, vai envolvendo o médium com sua poesia e sua melodia. Os toques, as palmas e as batidas da percussão parecem sintonizar com as vibrações de seus chacras. De fora para dentro e de dentro para fora, por meio de vibrações, sentido e emoções o médium vai saindo do lugar comum, do pensar, para um local muito especial, do sentir, no qual ele começa a se identificar com a presença de uma força, energia e consciência diferente da sua”. 

Fantástico, não é? E são vários os pontos que atingem nosso íntimo a partir do modo como são tocados ou cantados, quer ver?

Se você está em desenvolvimento, com toda certeza já ouviu ou ainda irá ouvir aquele pedido especial para que preste atenção no som que ecoa, no ponto que é cantado e no sentimento que isso te proporciona. Além de facilitar a incorporação, a comunicação, cada ponto é como uma oração, que traduzem mensagens magníficas. Falo por mim, eu não posso ouvir aquela reza de Ogum em Gira de Preto Velho, que me emociono:

“Nesta Casa de guerreiro, Ogum
Eu vim de longe pra rezar, Ogum
Rogo a Deus pelos doentes, Ogum
Na fé de Obatalá....

[...] Preto Velho ensinou, Ogum
Na cartilha de Aruanda, Ogum
E Ogum não esqueceu, Ogum
Como vencer a demanda, Ogum.

E a tristeza foi embora, Ogum
Na espada de um guerreiro, Ogum
E a luz do romper da aurora, Ogum
Vai brilhar neste terreiro.”

E as lágrimas correm mesmo, o Ogã já até sabe. Mas mesmo que você já não esteja mais em desenvolvimento ou esteja apenas na assistência, com qual frequência você fecha seus olhos e deixa seu coração ouvir? É revigorante! Que tal vivenciar essa experiência que só o terreiro te proporciona? Depois me conte!

E entre o congo, barravento e ijexá, além dos tantos outros que podem ser tocados, o ritmo também serve como um alerta para aqueles que seguem trabalhando nas giras “acordados”. O toque muda, a gente procura e vê que em algum outro local do espaço físico no qual estamos, determinado trabalho está acontecendo. Se preciso, nos deslocamos, se não, cantamos, dançamos e firmamos. Olha a conexão que o atabaque nos proporciona.

Já que falamos no atabaque, uma das funções que os Ogãs possuem é o zelo com seu instrumento de trabalho. Para nós, o atabaque é como uma divindade imóvel, que possui sua liturgia, seus rituais.

Deve ser cuidado, tratado, energizado, afinado e coberto todas as giras, sempre conforme o fundamento da casa em que se frequenta e sua doutrina. Têm o Run (maior dos três), Rumpi (geralmente o do meio) e o Le (o menor), sendo que um complementa o outro com toques mais suaves e graves, dando suporte e manutenção ao ritmo que está sendo puxado pelo Run. 

Além disso, cabe ao Ogã o ensino da função e de suas responsabilidades.


“Na madeira o axé de Xangô, nos aros de metal a força de Ogum e Exú 
e na pele de origem animal a influência de Oxóssi.”

Tais como os sacerdotes que são e a confiança que neles é depositada por parte de nossos dirigentes, aprendi desde sempre que devemos respeito a cada um deles, assim como a todos os demais médiuns, é claro. A troca de bênçãos com esses irmãos, também nos permite o cumprimento ao divino que lhes guarda e ao que está sob sua responsabilidade. Lindo, não é?

CURIMBA
“Quando o canto é reza, todo toque é santo”.

Transcreverei mais um trecho do livro acima citado para que compreendamos a força e a importância dos pontos cantados:

Dentro de um templo, canto é reza, é oração. Sempre possui um objetivo, tem hora certa e tempo para realizar, é direcionada com determinada finalidade e traz como benefício último a integração do orante que ora, reza e canta, com o sagrado que se faz presente em seu ser.

[...] O poder sonoro emitido por meio da voz não se limita ao verbo empregado, esse poder tem relação com a intensidade que é utilizado, com o timbre da voz, com a vibração mais grave ou mais aguda e com o tom que a voz propaga os sentimentos. Há um canto sagrado que sai do mais profundo de suas entranhas, carregado de axé. Um canto feito pela alma em sua verdade última é sentido e percebido quando as pessoas se arrepiam, choram e riem apenas de ouvir a capacidade do Ogã em transmitir a força dos Guias e Orixás por intermédio de sua voz carregada de sentimentos sagrados e divinos.

Ah, a curimba... Quantas pessoas eu já não vi terem seus olhos transbordados por sentirem o axé dos atabaques aliado a magia do canto... Extraordinário!

E se no toque temos diferentes ritmos, temos pontos para diferentes situações: abertura, defumação, chamada, subida, descarrego, saudação, de povos, raízes ou cruzados, e uma infinidade de outros.

Para entoá-los, são formadas as curimbas dentro dos terreiros, que geralmente é composta por Ogãs Curimbeiros (somente canto), Ogãs Atabaqueiros (somente percussão) e Ogãs Curimbeiros e Atabaqueiros (canta e toca percussão), não sendo essa uma regra específica.

Quer ver algo curioso? Você já observou que um ponto de chamada logo é sucedido por um ponto de saudação? Os Ogãs, além de tudo, conseguem distinguir rapidamente uma entidade da outra ou intuir sobre a presença de tal, por isso, sempre estão ampliando seu repertório ou mudando os pontos.

Por aqui, temos uma pastinha onde todos os pontos cantados, de todas as linhas, são guardados, e ela fica disponível próximo aos nossos curimbeiros, para que, se for preciso, possam consultar, ou você vai dizer que nunca deu aquele branco na hora?

E mesmo que você não faça parte da curimba, você faz parte da gira, irmão! Não se esqueça que é seu dever prestar auxílio na manutenção energética dos trabalhos, junto aos pontos cantados. Acredite em mim: eles ajudam, e muito, na concentração! Sua participação faz toda diferença!

Lembre-se: quem canta, reza duas vezes, mas quem canta com amor, reza centenas de vezes. Então, quer me contar qual é seu ponto preferido?

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